Raiz da Serra, Vila Inhomerim e a Ferrovia da Companhia América Fabril, Magé, RJ

Raiz da Serra, 6º Distrito de Magé, já contou com uma grande indústria de tecidos: a Companhia América Fabril, que deu origem à localidade de Pau Grande, notabilizada como berço natal de Mané Garrincha, um dos maiores jogadores de futebol que o mundo conheceu. Eis como surgiu: Contratada por um grupo de empresários brasileiros desembarca na estação ferroviária de Raiz da Serra , em 1871, uma equipe de engenheiros e técnicos ingleses, cuja missão era a escolha do local para instalação de uma fábrica de tecidos. Motivadas por uma mentalidade favorável à tecnologia hidráulica, várias indústrias têxteis se instalaram no Rio de Janeiro naquele final de século. Todas se estabeleceram nos contrafortes da Serra do Mar. Mas enquanto as outras procuravam as grandes quedas d'água da região, os ingleses que chegaram à Raiz da Serra buscavam, além da energia hidráulica, uma forma eficaz para escoamento dos seus produtos. E se encantaram com a Raiz da Serra, um lugar promissor, às margens da importante Estrada Normal da Estrela, que ligava a capital aos estados do interior do país; e de uma estrada de ferro que ligava a localidade ao Porto de Mauá, de onde seus produtos poderiam ser despachados para os estados litorâneos. A equipe inglesa escolheu um grande vale entre os morros Redondo, Dois Irmãos e Velho, de onde brotavam dois rios de volumes satisfatórios, formados por cerca de dez nascentes existentes naquelas elevações. O local, distante três quilômetros e meio da estação de trens da Raiz da Serra, foi rapidamente adquirido e o início das obras ocorre ainda naquele ano de 1871, sendo importado da Inglaterra todo o material necessário (de pequenos parafusos a grandes máquinas e vigas de aço) que chegavam à Raiz da Serra pela ferrovia de Mauá, seguindo para o vale em lombo de animais. O único acesso ao local verificava-se pela Raiz da Serra, através de estreito caminho existente entre o Morro Velho e o Rio Caioaba-Mirim, passando pelo Cemitério criado pela Fábrica de Pólvora da Estrela em 1840. Essa rota, hoje conhecida por Caminho do Cemitério, era, na verdade, um trecho da Variante de Bernardo Soarez Proença, criada em 1724. Naquele estreito caminho foi construído o portão de entrada da companhia, o qual, em pouco tempo passou a ser chamado Portão Preto, pelo povo. Junto ao portão havia uma secular e gigantesca árvore que, abalada pelas obras no local e pelo intenso tráfego de equipamentos pesados, despencou sobre o caminho, retardando as obras e causando grandes transtornos aos responsáveis pela nova indústria. Devido ao seu porte gigantesco a árvore era chamada de pau grande. Pouco tempo depois este nome passou a identificar também a localidade que ali se formou. A necessidade de transportar com segurança para Pau Grande os pesados equipamentos que chegavam à Raiz da Serra pela ferrovia de Mauá e a expectativa de compensadores lucros futuros exigiram do grupo empreendedor o planejamento antecipado e a implantação imediata de um meio de transporte eficiente e confiável para carga e para pessoal. Foi assim que em 1873, dois anos após o início das obras, surgiu, construída pela nova indústria, uma pequena estrada de ferro ligando Pau Grande a Raiz da Serra. Em 1875 os trabalhos de instalação são concluídos e a nova indústria, moderna, triunfante e denominada Companhia de Tecidos Pau Grande (CTPG), inicia suas atividades. Já na inauguração dispunha de 150 teares elétricos, alimentados por potentes geradores ingleses movidos pela força hidráulica do Rio Piabetá, cujas águas foram canalizadas para esse fim. A 20 de fevereiro de 1883 é inaugurado o trecho ferroviário Raiz da Serra - Petrópolis, agilizando ainda mais o escoamento dos produtos da CTPG. Um ano depois a Leopoldina promove o entroncamento da sua linha com a do Barão de Mauá em Piabetá, ligando, por terra, o Rio de Janeiro à Raiz da Serra. A CTPG não se limitava à fabricação de tecidos. Tinha também, na Cachoeira , sob contrato de sistema meeiro com alguns agricultores particulares, grandes áreas com plantações de mandioca, milho, feijão, batata, cebola e hortaliças em geral e, ainda, a criação de caprinos, bovinos e suínos que o operariado adquiria a preços módicos. As árvores que na Cachoeira tombavam em benefício da agricultura redundavam lucros. A terra fértil e com água em abundância, proporcionava grandes colheitas, das quais a companhia tinha direito à metade. Tudo isso, aliado à grande produção de uma olaria ali instalada, passa a requerer um transporte adequado entre Pau Grande e Cachoeira, e a CTPG estende sua mini-ferrovia até aquele local. Em 1891, a empresa dá início à sua expansão com a compra da Fábrica Cruzeiro, no Andaraí, Rio de Janeiro, a qual, totalmente reformada, inicia a produção em 1895, utilizando a energia elétrica da Light, ainda em fase de implantação naquela cidade. Ao incorporar a nova unidade, é mudada a razão social para Companhia América Fabril (CAF). E a indústria inicial passa a ser Fábrica Pau Grande. Em 1889 é inaugurada, junto à Fábrica Pau Grande, a Fábrica Rio Grande, para a fabricação de tecidos de meia. Seguiram-se outras incorporações: Fábrica Bonfim (1903), Fábrica Mavilis (1911), Fábrica Carioca (1920) e Sant'Anna (1950). A Raiz da Serra hoje se chama Inhomirim e integra, com Pau Grande e outras localidades, o 6º Distrito de Magé/RJ.

A mini-ferrovia da Companhia América Fabril - Inaugurada em 1873, com bitola de um metro, a pequena ferrovia desempenhou importante papel no transporte de equipamentos para a instalação da nova indústria. Em 1875, quando a Cia de Tecidos Pau Grande inicia suas atividades, a mini-ferrovia passa a escoar toda a produção para a ferrovia de Mauá, na Raiz da Serra. Dali seus tecidos eram despachados para todo o país, principalmente

Acima, à esquerda, a locomotiva engatada a um vagão de carga, junto à Fábrica Pau Grande; à direita, a locomotiva engatada ao vagão de passageiros
(bonde)
(Acervo Honor Pacheco)
para o Rio de Janeiro e Minas Gerais. O trenzinho também transportava os operários não residentes no recinto da fábrica e suas marmitas de comida deixadas no Portão Preto pelos seus familiares. Era composto, inicialmente, por uma pequena locomotiva a vapor, dois vagões para o transporte de passageiros e dois para a carga. Quando do transporte de carga a composição era carregada no interior da fábrica, aonde seus trilhos chegavam; quando do transporte de passageiros a pequena locomotiva engatava o vagão apropriado (que por ser aberto era chamado de "bonde") deslocando-se em seguida para uma pequena gare construída na parte externa da fábrica. Ali os passageiros embarcavam com destino à Raiz da Serra. A composição apitava e partia, majestosa, passando por onde hoje está a Avenida Antônio Ribeiro Seabra, principal via de Pau Grande. Contornando o Morro Velho, chegava ao Cemitério de Raiz da Serra, atravessava o Córrego Madalena e, logo em seguida, o Rio Caioaba-Mirim, onde se fez necessária a construção de um pontilhão de ferro com quinze metros de comprimento. Em seguida, passando em frente ao pequeno comércio existente próximo à Ponte Seca, cruzava com obliqüidade a Estrada Normal da Estrela, posicionando-se entre ela e a ferrovia de Mauá, que são paralelas a partir daquele ponto. A partir dali percorria seus quinhentos metros finais, aos fundos de algumas casas e dos correios que ficavam ao longo da estrada, chegando finalmente à estação de Raiz da Serra. Não havia entroncamento das duas ferrovias, que

Acima, à esquerda, o trenzinho no pátio da Cia América Fabril; à direita, o trenzinho cruzando o pontilhão sobre o Rio Piabetá. (Acervo Honor Pacheco)
tinham em comum somente a estação de Raiz da Serra, ponto final de cada uma delas. A composição de Pau Grande ficava na parte externa, porém tinha acesso ao galpão de cargas. Os trens da mini-ferrovia não tinham horários pré-estabelecidos para partidas, deslocando-se quando necessário. Sabemos que a locomotiva foi fabricada na Inglaterra, porém não dispomos de seus dados técnicos. Uma curiosidade relacionada à sua utilização na ferrovia de Pau Grande dá conta de que a locomotiva, de 6,5 metros de comprimento (uma das menores que circulou no Brasil), chegou ao porto de Mauá em 1873. A bitola de um metro inviabilizou a sua circulação pela ferrovia de Mauá que, àquela época, ainda era de 1,68 metro. Assim, foi transportada até Raiz da Serra por uma composição especial desta última. Em Raiz da Serra, onde foi montado um grande aparato para a sua chegada, foi construído um dispositivo para facilitar seu desembarque e uma ligação daquele ponto com a linha da América Fabril. E a pequena locomotiva entrou de frente naquele trecho, que foi desmontado imediatamente após a sua partida para Pau Grande. Isso fez com que ela ficasse, durante algum tempo, funcionando fora de posição (frente para Pau Grande e costas para Raiz da Serra). Quando partia de Pau Grande, ela vinha na frente da composição, porém de costas, e quando partia de Raiz da Serra, ia de frente, porém atrás dos vagões, empurrando-os. Por volta de 1895 a linha passa a ter, junto à fábrica, um desvio para a esquerda, o qual, passando por trás do local onde mais tarde seria construída a Igreja de Sant'Anna, seguia em direção à Cachoeira, chegando à olaria e aos sítios agrícolas dos meeiros, onde recolhia seus produtos. Concluído esse novo trecho, foi determinada a construção de um desvio para a esquerda no sentido Cachoeira-Pau Grande (500 metros antes de chegar à FPG). Os trilhos desse desvio se juntavam aos da linha da Raiz da Serra próximo ao local onde hoje está o campo de futebol. Esse último dispositivo, ao formar um triângulo com os trechos anteriores, permitiu a manobra da locomotiva em Pau Grande. A grande quantidade de carga transportada da fábrica para a Raiz da Serra e vice-versa, bem como da Cachoeira para a fábrica, exigiu a aquisição de uma segunda locomotiva, da qual também não temos as características técnicas nem dados sobre a época da aquisição. Sabe-se somente que era de pequeno porte, do tipo ramona e que funcionava a diesel. Em 1942 a mini-ferrovia foi desativada. As locomotivas e os vagões permaneceram no pátio da Fábrica Pau Grande até 1948. Para aonde foram e o que aconteceu ninguém sabe, ninguém viu. Mas como na ocasião a CAF ainda era controlada pelos ingleses, certamente tudo foi vendido a bom preço. (Honor Pacheco, 12/2006)