Cardoso de Almeida
(Paraguassu Paulista, SP)

 

Cardoso de Almeida


A velha casa de turma da Sorocabana evoca antigas memórias. Foto Adriano Martins, em 01/2003.

A vila nasceu em 1915 com o nome de Caramuru, sendo no início apenas uma estação de trem da Sorocabana num lugar em que não havia nada. O nome foi logo em seguida alterado para Cardoso de Almeida. Em 2002, a estação foi demolida, sobrando o armazém e uma casa de turma. O lugar todo está abandonado. Não se vê uma alma viva ou se ouve voz nenhuma. No local existe também um casarão enorme, totalmente abandonado. Segundo Paulo Leuzzi, neto de José Giorgi, seu avô foi construtor da Sorocabana e construtor do casarão, por volta de 1908. Ela era a sede da Fazenda Pouso Alegre, da família Giorgi. Em 1924, o casarão foi tomado e incendiado pelos homens da Coluna Prestes que se retiravam de São Paulo após a expulsão pelas tropas governistas. A partir de Botucatu, roubaram e saquearam diversas estações e cidades até chegarem a Porto Epitácio, no rio Paraná. Desde então, José Giorgi, desiludido, abandonou a casa. Ainda pertence à família. Hoje (2007), está em vias de ser restaurada pela prefeitura de Paraguaçu Paulista.

"Quando lá cheguei fiquei tão impressionado com o casarão que o meu primeiro impulso foi de me aventurar dentro dele. O casarão estava totalmente abandonado. Até um velho Karmann-Ghia estava lá dentro. Pela sua imponência, imagino que o local já foi bem movimentado. Somente depois de quase uma hora apareceu um sujeito dizendo ser o dono do local, meio desconfiado, e lhe perguntei sobre o casarão e a estação. Ele confirmou a demolição da estação, e o casarão disse que pertenceu ao avô dele e que havia sido atacado na Revolução de 24, tendo ficado abandonado desde então
" (Fábio Vasconcelos, Marília, 14/07/2002).

"Na casa de turma nasceu um tio meu, Pedro Figueiredo, já falecido. O pai dele, João Figueiredo, era ferroviário, e meu tio veio a ser telegrafista da ferrovia. Um pouco antes da morte do Tio Pedro, meus primos o levaram para Cardoso de Almeida, e ele reconheceu a casa como sendo a da sua família."
(Douglas Razaboni, 01/2003)

"Cardoso de Almeida pertencia à família de José Giorgi. Meu avô, David Ferreira de Castro, foi o gerente (capataz dela) desde 1924 (não tenho de memória a data exata que ele ai chegou, mas meu pai nasceu em Santa Lina em 1921 e logo após, meu avô veio para Cardoso) até se aposentar lá mesmo em 1969, tendo ao lado dela um pequeno pedaço de terra. Vivi aí todas as minhas férias de infância até meus 15 anos, em 1965. Residiam na fazenda, que ficava cerca de 500 metros atrás da estação: meu avô e avó, quatro de meus seis tios (muitos deles aí nascidos), além de primos e primas. Somente um morava em Assis nessa época, uma tia em Registro e meu pai que desde os 13 anos trabalhava na EFS, começando como telegrafista em Mairinque, depois São Roque e também algum tempo na Mairinque Santos, vindo depois para a ex-Ytuana onde se aposentou como chefe de movimento. Claro que evoco essa época com muitas saudades: caçadas, pescarias - existia aí um manancial que formava um lago bem pertinho de um pontilhão da linha da EFS, por onde os bois transitavam pelos pastos e muitas brincadeira de por pedras nas linhas para ver o trem passar por cima. Também era fantástico o embarque do gado. A boiada vinha para o piquete e o trem encostava de costas no travessão, onde o gado era embarcado nas gaiolas pela porta traseira delas. E eram muitas ou assim me parecia. Como o travessão era relativamente curto, algumas gaiolas ficavam na linha 2 e conforme as gaiolas iam lotando, havia um remanejamento entre as lotadas e vazias. E isso tomava bastante tempo. Quanto ao casarão, ele era a sede da fazenda mas realmente ninguém morava lá e já na época de minha infância, o aspecto era sombrio, meio cinza ou avermelhado sujo escuro, em quase que total abandono, pelo menos a mim assim o parecia. A parte de baixo (era um sobrado) era utilizada pelo meu avô como depósito de materiais da fazenda (enxadas, etc...). Curiosamente e tem explicação, nunca subi aqueles degraus e nunca vi a casa por dentro. Mas recordo das grades de ferro fundido e todo trabalhado que cercava a escada e a varanda na parte de cima. A explicação para não conhecê-la é simples: meu avô era extremamente rígido e não permitia nem as brincadeiras de criança naquele espaço. Como disse antes, a fazenda pertencia ao Sr. José Giorgio, não recordo o tamanho dela, mas em algum momento ouvi comentários que ela ia de Cardoso à Santa Lina, o que com certeza se for confirmado, deve dar uma certa importância a ela. Somente meu avô e um tio moravam em Cardoso em casas de alvenaria (lado a lado, no final da única rua de terra, também a rua da sede da fazenda). As outras casas da rua (não eram muitas) eram todas de madeira, cedidas pela EFS mediante pagamento. Eram padrão ou seja todas iguais. Entre as primeiras casas de madeira e a sede da fazenda havia um bebedouro para os tropeiros que constantemente por lá passavam dessedentarem seus animais. Não sei se isso ainda existe ou se ficou algum vestígio disso. Sei que a igreja do local que não tinha padre fixo no local, nem um caminho definido, estava constantemente aberta e ficava mais ou menos 500 metros atrás da casa de meu avô cujo quintal não era pequeno. Lembro-me da criação de suínos e patos/gansos (estes tinham uma área alagada especial e também uma fonte, só para eles), do pomar (limite posterior da casa), da horta e do paiol, onde era armazenado o milho. As casas de meu tio e de meu avô eram separadas em parte por uma cerca de madeira em ripas e em parte por uma sebe, onde frutificavam carambolas e outras frutas silvestres - amoras e uvaias. No meio disso, um portão de madeira, que abrigava constantemente sob o arco, aquelas abelhas que pegam nos cabelos - as irapuás. Eu fui vítima delas algumas vezes, mesmo tomando as precauções necessárias. Meu avô apesar de rígido, bronco e muitas vezes estúpido, nunca permitiu que derrubássemos aquela colméia. Ele tinha já nessa época um cuidado especial com a natureza. Em nossas caçadas, que eram permitidas, a recomendação era: não matem mais do podemos comer. As caçadas normalmente eram feitas em 5 pessoas: dois tios, meu pai, eu e um primo. Lembro-me da espingarda que era destinada para mim: uma Pipper Bayard. Não sei o calibre, mas era de cartucho. A caçada normal que eu podia acompanhar era de pássaros (normalmente nhambú e codorna) e sempre diurnas. As noturnas ou mais perigosas (capivara etc...) eu e o primo não tomávamos parte. Só ficávamos na expectativa. Os meses de férias eram de festa, já que todos apareciam por lá: meu pai, o tio de Assis com a família e a tia de Registro, também com a família. Também apareciam durante as noites as famílias das namoradas dos outros tios e ficava-se jogando truco até tarde da noite. Apesar de casas de alvenaria, existiam apensos de madeira. Na casa de minha avó, a cozinha era interna, mas com fogão de lenha. O pão era feito uma vez por semana na cozinha de fora de madeira que tinha além do fogão de lenha, um forno de barro e que tornava o pão delicioso. O bule de café de ágata verde era mantido o dia inteiro no fogão, para quem chegasse, não importando se fosse ou não da família. O café era torrado e moído na fazenda. O arroz era separado em peneiras de palha, onde com o atrito de jogá-lo constantemente para cima, perdia a casca, que era constantemente assoprada, idem para o amendoim. E isso (assoprar) também era uma de nossas (netos) atribuições. Outras atribuições: salgar (sal grosso) o couro do porco abatido e pendurá-los em trapézios que ficavam em cima do fogão do apenso de fora. Além de salgados eram defumados. Mais outras: ajudar na confecção do sabão (soda cáustica - isso não era exatamente nossa, gordura de porco e cinzas do fogão), desempalhar o milho e aguar no final da tarde a horta. O restante do dia era ocupado com brincadeiras, caçadas ou pescarias, ou até mesmo colheita de guabiroba. Para quem não conhece, muito semelhante à jaboticaba, porém verde e sabor peculiar. Quando gelada, era ótima. Isso em memórias. Hoje não saberia dizer que gosto tem. Só que os dias naqueles tempos eram compridos. Fazíamos tudo, felizes e divertidos, sem imaginar o quanto a vida mudaria. O quanto hoje esses dias passam rápidos, sem termos a sensação de termos feito algo produtivo. A vida acelerou por demais."
(José David de Castro, 01/2003)

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As fotos de Adriano Martins em janeiro de 2003 não mostram infelizmente o casarão tantas vezes citado nos relatos ao lado, mas que ainda está de pé. A linha da Sorocabana ainda passa por ali, com poucos e raros trens cargueiros. Da estação só resta a plataforma e mato.


Acima, o armazém da Sorocabana

O velho casarão "assombrado" permanece ali...

... como lembrança de tempos mais ricos.
Fotos Fabio Vasconcellos

Acima e abaixo, o casarão de Cardoso, fotografado em outubro de 2005 por Paulo Leuzzi, um dos descendentes de seu construtor.


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