O texto abaixo foi postado por João
Costa no Blog do Ralph Giesbrecht em 30 de março de 2013.
Sou de Mossoró, onde ficavam os escritórios da RFFSA e todo o centro
de adminstração do ramal Mossoró-Sousa. Bem, o que posso dizer é que
as estações de passageiros do nosso ramal foram fechadas em 1991,
por "misteriosa" determinação do Governo Federal. A partir daí apenas
o trem de carga circulava levando sal, cimento e minérios em viagens
que ficavam cada vez mais longas devido às péssimas condições de conservação
do trecho e também das locomotivas e vagões que sofrivelmente se arrastavam
por sobre os carris. Lá para 1995-1996 esse trem de carga parou de
uma vez por todas, e as máquinas, vagões, guindastes, trollies, tanques,
gôndolas e outros equipamentos da via ficaram encostados no pátio
da estação sem nenhum uso.
Em 1997 a CFN - hoje Transnordestina - assumiu o controle da estrada
de ferro, mas tachou o ramal como economicamente inviável, e simplesmente
o abandonou (Inclusive, agiu da mesma forma em relação ao ramal Macau-Natal-Recife,
que se encontra hoje apodrecendo à mercê das intempéries).
Em abril de 2001, um grupo de empresários da região retalhou a ferrovia
em treze lotes e, em poucos minutos, cada um arrematou para si um
deles e logo procederam com o arrancamento e venda dos trilhos e equipamentos.
Sim, a nossa ferrovia foi vendida num leilão de sucata e ninguém fez
absolutamente nada a respeito!!! O nosso ramal ferroviário foi vendido
pela bagatela de 2,7 milhões de reais!!! A locomotiva que fez a viagem
oficial de inauguração do trecho em 1915, por exemplo, foi vendida
a um sucateiro e desmanchada a maçarico, assim como carros de passageiros
que datavam de 1914 a 1916.
O resto do material rodante (que incluía locos Alco RSD-8, GE U5b,
vagões tanque, gôndola, FHC, um guindaste Oton, carros de primeira
e segunda classes, locos de manobra, trollies,etc) ou teve destino
análogo, ou foi transferido para o ramal entre Fortaleza e Recife.
Os trilhos foram arrancados em absolutamente todo o percurso da ferrovia,
empilhados sobre caminhões, e depois disso, nunca mais foram vistos.
Não sobrou um mísero dormente para contar história! até mesmo as placas
de sinalização das passagens de nível e da indicação da quilometragem
dos trechos foram vendidas. Máquinas de terraplanagem foram trazidas
para nivelar os terrenos por onde a ferrovia passava e pontilhões
e outras obras de arte foram removidos. As oficinas depósitos e escritório
da RFFSA - ou as suas ruínas - foram demolidas há alguns anos... em
2004 se não me engano. Em seu lugar construíram uma avenida, praças,
restaurantes e um memorial sobre a história da cidade com fotos históricas
que, ironicamente, incluem algumas imagens da inauguração da ferrovia.
O que ainda hoje sobrevive da estrada de ferro é o prédio da estação
ferroviária que, por ficar encravado no coração da cidade, foi restaurado
e tem seu pátio utilizado como espaço de realização de eventos. A
antiga ponte metálica de três vãos, trazida desmonatada da Inglaterra
no início do século e montada por sobre nosso pobre rio Mossoró, está
lá ao relento a ser carcomida pela ferrugem - não foi desmontada e
vendida junto com todo resto do espólio por que ficou excluída do
leilão, não se sabe por qual motivo. Resiste ainda de pé como que
por um milagre! O imenso vazio que se formou no meio da cidade depois
do arrancamento do trilhos e demolição dos galpões, escritórios e
oficinas foi preenchido com praças, lanchonetes e alguma arborização.
Nos demais municípios que eram cortados pelos trilhos, ou as estações
estão abandonadas em ruínas ou foram tranformadas em casas de cultura
ou espaços de realização de eventos. Mas nada que lembre que ali um
dia passou um trem.
Quanto à nossa população... incrivelmente ninguém aqui em Mossoró
sequer lembra que um dia um trem passava diariamente bem no meio da
cidade. Nós temos memória curta, ea grande maioria nem sabe por que
motivo a ferrovia, depois de 86 anos de atividades, foi completamente
extinta da noite para o dia depois de um misterioso leilão que não
durou meia hora. Isso tudo numa cidade que cresceu e se desenvolveu
ao redor da ferrovia, idealizada no início do século XIX por um dos
nossos mais ilustres habitantes, o comerciante João Ulrich Graff,
o qual morreu sem ver seu sonho realizado devido à burocracia que
tudo posterga.
Nossa ferrovia, cujo primeiro trecho foi, com sacrifício, inaugurado
no longínguo ano de 1914, com a chegada do primeiro trem ligando o
sertão ao mar, uma verdadeira façanha naqueles tempos em que se viajava
no lombo de burros, sumiu sem deixar rastros ante à apatia das pessoas
que por ela eram beneficiadas e do descaso dos políticos locais. Trens
enormes que traziam gente, bichos, cargas, e até mesmo água nos períodos
de seca,eram o único meio de transporte que tínhamos até algumas décadas
atrás. Foi um sonho idealizado por nossos mais tenazes habitantes
e que foi simplesmente arrancado pela raiz como se fosse algum tipo
de tumor, câncer ou coisa que o valha.
É muito triste saber que uma das maiores conquistas do nosso município
(e de todos os outros que ficavam no traçado da estrada de ferro)
teve um fim tão trágico e silencioso. Nossa ferrovia foi vendida como
ferro velho e ninguém, nem políticos nem população, fez nada para
evitar isso. Trem por aqui é coisa do passado, "coisa de antigamente"
um meio de transporte quase mitológico cujas lembranças ainda persistem
na memória dos mais velhos ou dos nostálgicos ferroviários aposentados.
Hoje, todo mundo pelas redondezas tem um automóvel ou uma perigosa
motocicleta. O transporte de cargas é feito invariavelmente por caminhões
sobrecarregados que desgastam e superlotam as rodovias que cortam
a região. Quem viaja para municípios ou estados vizinhos para estudar
ou trabalhar, ou vai no seu próprio carro, ou moto, quando os possui,
ou tem que pagar ônibus ou um utilizar o perigoso transporte alternativo.
O trem, barato e acessível, ficou completamente esquecido depois da
inuaguração de algumas rodovias na região no final dos anos 1970.
A reativação do ramal é tida como inviável economicamente, ninguém
tem interesse em uma ferrovia ligando Mossoró ao sertão da Paraíba.
Transnordestina aqui, então, é pura utopia, já que pelo traçado está
mais pra Transpernambucana. Então... nossas estradas estão cada vez
mais esburacadas, perigosas, mal sinalizadas, não possuímos um sistema
de transporte inter-municipal ou inter-estadual de valor acessível,
e nossa história está morta e enterrada assim como o velho Graff que
morreu sem ver o trilhos cortando a caatinga mossoroense em direção
ao São Francisco...
E assim que a locomotiva do sonho graffiano sumiu nas nuvens do esquecimento.
Eu cheguei, ainda criança nos anos 1990, a ver o trem passando comprido
no final das tardes em direção à Paraíba, vagões azuis e brancos,
a locomotiva vermelha com faixas amarelas... um trem lento, agonizante,
resfolegando, sumindo vermelho e azul dentro do mato seco esbranquiçado,
sumindo pra nunca mais voltar.
Nos anos 1970, segundo Eudes Fernandes (2013), o trem
era composto de quatro carros de passageiros e um bagageiro, que ficava
entre a locomotiva, já a diesel, e os carros de passageiros.
Havia dois carros de primeira classe e duas de segunda. Não
havia, pelo menos na composição de 1970 mostrada acima,
carro-restaurante. Foram estes que circularam até o início
de 1991, deixando apenas alguns cargueiros RFC cada vez mais raros
até a privatização em 1996, segundo João
Costa (2013). (Fonte: Facebook/Estradas de Ferro do Nordeste, junho
2013)
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